Não é exatamente a mesma língua

Há quase um mês, houveram duas grandes discussões na Elfling, uma delas envolvendo, como não poderia deixar de ser, Helge Fauskanger e a Equipe Editorial. A discussão em si não é o assunto deste post, mas sim uma mensagem do estudioso americano Carl Hostetter.

Resumindo, o Helge desafiou qualquer um a mostrar onde três frases em neo-Quenya demonstram não ser da mesma língua inventada por Tolkien. As frases sendo:

  1. I Elda lende i ciryanna “O elfo foi para o navio”.
  2. Andanéya i Naucor hirner malta i orontissen “há muito tempo atrás os Anões acharam ouro nas montanhas.
  3. Cenuval nér nóra i taurello i ostonna “Você verá um homem correr da floresta para a cidade”.

Hostetter aceitou o desafio, analisando essas frases da seguinte forma:

I Elda lende i ciryanna “o Elfo foi para o navio” [N.T. ing. “the Elf went to the ship”]: Aqui e em cada uma dessas sentenças, o uso do artigo definido segue precisamente o original em inglês. As composições em Quenya de Tolkien obviamente não o fazem, e de fato o usam um tanto menos que o inglês. Portanto, de partida essas sentenças revelam o uso da sintaxe inglesa, ao invés da do Quenya, neste ponto.

Andanéya i Naucor hirner malta i orontissen “long ago the Dwarves found gold in the mountains” [“há muito tempo os Anões encontraram ouro nas montanhas”]: Primeiro, (i) Naucor significa “(os) Anões (em geral ou sob discussão)”, não “os Anões como um povo”, como é requerido neste contexto. Então o coletivo Naukalie deveria ser utilizado, e o uso indiscriminado de Naucor aqui demarca esta sentença como sendo derivada do inglês. Segundo, até onde eu lembre, o caso locativo sempre indica “at” ou “on” (até na tradução de Tolkien, onde a língua inglesa utilizaria “in”, o sentido não é “inside”, mas “upon”: e.g. súmaryasse “in her (the ship’s) bosom” [“em seu (do navio) seio”] não significa inside, mas on;¹ enquanto ear-kelumessen não significa inside, i.e. immersed in the sea, mas sim upon). Ao invés disso, “inside” e “within” são sempre expressos com preposições, geralmente com mi.² Este é o sentido aqui, e então por isto apenas esta tradução é reconhecível como um Quenya provavelmente incorreto. (Eu gostaria também de perguntar por que hir- deveria formar seu pretérito com -ne, e não com um pretérito forte (*híre)? KHIR- parece ser um verbo básico. Além disso, por que não tuv-, que em seu uso atestado parece ser mais próximo em significado do que o uso atestado de hir-?

¹ Note que esta expressão vem provavelmente de Beowulf, linha 35: “on bearm scipes, onde a expressão literal“on (the) bosom of (the) ship”. Até hoje, embora o idioma inglês necessite de “in one’s bosom”, quando nós dizemos isto não necessariamente queremos dar o sentido de dentro do seio de alguém, ou todos os bebês “in its mother’s bosom” estariam fisicamente dentro do tórax da mãe!

² Um possível contra-exemplo, símaryassen “in their imaginations” [port. “em suas imaginações”] notavelmente se refere a uma entidade não-física, não à localização física, e então apesar do fato que o idioma inglês requer “in” para soar natural, isto não indica necessariamente que o idioma élfico tinha a mesma interioridade física que o inglês; pode ser literalmente passada como “(up)on” their imaginations. Note o inglês “on my mind” do que está ocupando (residindo dentro [ou seja, “in”] dos pensamentos de alguém.

Cenuval nér nóra i taurello i ostonna “You will see a man run from the forest to the city”. Eu noto que com exceção da primeira pessoa do singular -n, não há excemplos de desinências pronominais curtas no final de verbos no futuro (ao invés disso nós temos -lye, -nte); então cenuval aqui se mostra possivelmente incorreto.

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