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Os Anéis de Poder e o fandom tóxico de Tolkien

Em novembro de 2017, eu escrevi um post chamado A Amazon e os Críticos, no qual eu disse:

Fãs, se a série for ruim, ela não vai reescrever os livros, nem apagar as cópias existentes dos filmes. A única coisa que pode ser ferida com uma série ruim é o seu ego que, de uma forma doentia, acha que gostar d’O Senhor dos Anéis é o que lhe faz especial.

Mas fica bem pior do que eu esperava. Ontem, os proprietários de páginas e perfis de mídia social dedicadas a Tolkien tiveram de fazer uma nota de repúdio coletiva contra parte do fandom, que decidiu acusar a Amazon de descaracterização da obra por optar por atores negros para atuarem como um dos elfos e uma rainha anã.

É isso mesmo, pessoal. Em pleno 2022, tem gente publicamente gritando “Socorro! Botaram um preto na minha obra de ficção favorita!”

Só pra título de comparação, o aclamado musical Hamilton colocou um ator negro como George Washington. O ator que fez Thomas Jefferson tinha um afro gigante. Isso não descaracterizou de forma alguma os personagens! As três irmãs Schuyler tinham etnias diferentes também, e só um racista diria que o musical é intragável por conta disso.

Hamilton é baseado em fatos reais e na vida de pessoas de verdade, enquanto nada do que Tolkien escreveu realmente aconteceu e nenhum personagem existiu de verdade!

Algumas vezes, minha esposa e meus amigos perguntam por que eu não volto a atualizar esta página ou participar do fandom. Eu estou envolvido com o fandom há, agora, literais 20 anos e eu sei que ele é um refúgio de elitistas. E onde tem elitista, sempre tem racista.

Vou fazer um resumo bem rápido:

  • Se você está reproduzindo essas ideias sobre a escolha dos atores negros ser errada, você está reproduzindo ideias racistas.
  • Se você realmente não consegue ver um negro no lugar que um branco estava antes, você é racista.
  • Se você não consegue ver um personagem de fantasia negro no lugar que um personagem de fantasia branco antes estava/estaria, eu nem sei que palavra usar pra você. Devia ter algum tipo jurídico para te descrever, como “racista qualificado”.

Além disso, basear qualquer argumento na etnia dos personagens de uma obra publicada por um inglês em 1955 se chama “anacronismo”. A HarperCollins nunca iria aceitar publicar em 2022 uma obra onde o povo abençoado por Deus tinha pele branca e o povo esquecido pelos anjos tinha pele negra ou parda, não importa o quanto ele justificasse o Legendário como um passado longínquo da nossa Terra.

Um fã de Tolkien que defende e propaga ideias racistas é também um fã que cospe no prato que come: Tolkien odiava o racismo, fervorosamente, de qualquer origem que viesse. Ele fez questão de dizer para os editores alemães de O Hobbit em 1938 que lamentava não ter antepassados judeus (Carta 30); também disse em seu discurso de aposentadoria da Universidade de Oxford, em 1959 (reproduzido em The Monsters and the Critics):

Eu tenho ódio do apartheid nos meus ossos; e, mais do que tudo, eu detesto a segregação ou separação de língua e literatura. Eu não me importo qual delas você pensa que é “branca”.

A única parte parcialmente hilária desse desastre é que criaram uma palavra pra descrever esse povinho que está ameaçando boicotar Os Anéis de Poder se a série tiver cenas de sexo, mas passa o resto do dia fantasiando fazer um threesome com a Liv Tyler e a Miranda Otto: Incelmarillion.

Deixo um agradecimento final à Amazon pela dedicação e carinho em trazer o mundo de Tolkien à tona com a menor quantidade de CGI, pelo excelente elenco e pela coragem de fazer o que é certo.