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História externa do kw > p

Para quem não sabe, um dos desenvolvimentos mais característicos do Sindarin e de todas as línguas do ramo Telerin vs. o Quenya é a transição de kw >p, que ocorreu durante a Grande Marcha. Isto fica claro nas Etimologias:

*alk-wâ “cisne”: Q alq[u]a; T alpa; ON alpha; N alf (V:348).

[“N” aqui é Noldorin, que depois foi renomeado para Sindarin por Tolkien durante o desenvolvimento d’O Senhor dos Anéis. – N.T.]

O estudioso Helios de Rosário Martinez, contudo, notou uma coisa interessante. Neste momento conceitual, o Noldorin foi inventado, claro, pelos Noldor, que não são membros da Casa dos Teleri. Por que, portanto, esse desenvolvimento era visto tanto no Telerin quanto no Noldorin?

[L]ínguas que realmente descendiam do Telerin, como o Ilkorin ou o Doriathrin (veja a árvore das línguas em V:169–170, 196–7) mantiveram o kw original. No exemplo acima nós encontramos o Ilk. alch e o [Dor.] ealc (onde o kw foi transformado por conta de sua posição final). E há exemplos ainda mais claros nas entradas começando com KW- (V:366):

  • Ilk. côm “doença” (< *cwâm) como o Q. qáme, mas não como o N. paw, de KWAM-.
  • Ilk. cwess “travesseiro”, como o Q. qesset, mas não como o N. pesseg, de KWES-.
  • Dor. cwindor “narrador”, de kwentrô (KWET-) e como o Q. qentaro, mas não como o N. pethron.

Portanto, eu diria que o “Telerin” representado nas Etimologias não deve ser considerado como o ancestral comum do Telerin Valinóreano e das línguas de Beleriand, mas sim especificamente o Telerin de Valinor, e a mudança de kw > p foi desenvolvida após sua partida de Beleriand. [Grifo do tradutor.] A coincidência com o Noldorin neste aspecto seria explicada pela aproximação do Noldorin e do Telerin (Valinóreano) mencionado no Lhammas: “[O diálogo dos Noldor em Valinor] era na verdade com os Teleri das praias vizinhas do que com os Lindar [em 1937 Lindar “cantores” era o nome dos Vanyar – N.T.], e as línguas dos Teleri e dos Noldor tornaram-se um tanto semelhantes novamente naquela época” (V:173)

Helios menciona no fim de sua mensagem que é provável que nessa época a mudança do kw > p tenha ocorrido primeiro no Noldorin antigo (ing. Old Noldorin) e então copiado pelos Teleri, considerando que a engenhosidade Noldorin para as línguas era mais notável.

Qual povo fala qual língua?

Outra pergunta daquelas que são básicas (mas importantes!) para a compreensão das obras de Tolkien é: qual povo fala qual língua? Isto é extremamente complicado para qualquer pessoa que não tenha decidido estudar os povos élficos e os clãs de raças que tiveram influência élfica.

Abaixo está minha tentativa de explicar esta questão. Àqueles que já leram O Silmarillion estas ocasiões não serão novidade.

Anos das Árvores

  • 1050: Elfos despertam e inventam o Quendiano Primitivo;
  • 1105: Começa a Grande jornada e a primeira divisão entre os elfos: os Eldar começam a falar o Eldarin Comum, enquanto os Avari falam os dialetos Avarin;
  • 1105–1115: Em algum momento entre esses anos os Teleri formam um dialeto distinto, o Telerin Comum;
  • 1115: Uma parte dos Teleri se separam da Grande Jornada quando chegam ao rio Anduin e são chamados de Nandor, falando o Nandorin, ou “élfico silvestre”;
  • 1133: Os Vanyar e os Noldor chegam a Aman e começam a falar o Quendya;
  • 1151: Os Teleri liderados por Olwë chegam a Aman, e lá formam o Amanya Telerin (Telerin de Aman);
  • 1152: Elwë volta ao seu povo com Melian e a partir dalí são conhecidos como os Sindar. Em um primeiro estágio o Telerin Comum falado por eles torna-se o Sindarin antigo;
  • 1165: Os últimos Vanyar deixam Tirion, a cidade onde este povo e os Noldor moravam juntos. Os Vanyar continuam com o seu dialeto mais arcaico, o Quendya, enquanto os Noldor continuam a desenvolver seu gosto lingüístico até, eventualmente, chegar ao Quenya maduro;
  • Eventualmente durante os Anos das Árvores o Sindarin antigo amadureceu no Sindarin que conhecemos.

Primeira Era

  • Os Noldor foram forçados a abandonar o Quenya como língua falada na Terra-média, e passaram a falar o Sindarin.
  • Os filhos de Fëanor e seu povo possuíam um dialeto próprio, conhecido como Dialeto do Norte.
  • Em Doriath havia um dialeto daquela região.
  • Os filhos de Fingolfin e Finarfin, assim como o povo da região costeira (os falathrim) falavam o Dialeto do Sul.
  • Os anões falavam o Khuzdul entre si, mas falavam a língua de qualquer povo de sua vizinhança. Os anões que viviam em Nogrod e Belegost certamente falavam o Sindarin de forma fluente.
  • Os humanos da Casa de Bëor e da Casa de Hador (1ª e 3ª casas) falavam uma língua ancestral do Adûnaico. Contudo, começaram a falar o Sindarin quando entraram em contato com os Noldor.
  • Os humanos da Casa de Haleth (os haladin, a 2ª casa) falavam uma língua humana separada das outras casas, mas também aprenderam o Sindarin.
  • Os humanos que se aliaram a Morgoth provavelmente falavam suas línguas ancestrais e a Fala Negra, mas tiveram de aprender o Sindarin quando posaram de amigos dos filhos de Fëanor.

Segunda Era

  • Com a destruição do povo dos filhos de Fëanor e de Doriath, o único dialeto Sindarin que sobreviveu foi o Dialeto do Sul. Este tornou-se o Sindarin padrão, falado por todos os povos.
  • Os humanos em Númenor falavam o Sindarin e o Adûnaico de forma corrente, e o Quenya em ocasiões especiais ou em nomes;
  • Os humanos da Terra-média falavam seus idiomas: os Terrapardenses possuíam uma fala derivada da língua dos haladins, enquanto os humanos do norte (ascendentes dos rohirrim) falavam versões mais arcaicas das línguas de seus ancestrais da Casa de Hador;
  • Os elfos da Terra-média (da posterior Floresta das Trevas até a costa oeste) e de Tol-Eressëa falavam o Sindarin tranqüilamente.
  • Os que viviam ao leste da posterior Floresta das Trevas falavam seus dialetos Avarin.
Em um próximo artigo eu tratarei da Terceira Era.

Fonologias históricas do Ilkorin, Telerin e Noldorin em torno de 1923

O estudioso alemão Roman Rausch enviou esta mensagem à lista Elfling ontem:

Eu gostaria de apresentar a todos um novo artigo chamado “Fonologias históricas do Ilkorin, Telerin e Noldorin em torno de 1923”. Embora trabalhos mais tardios do próprio Tolkien sobre este assunto parecem existir, esta é um sumário e análise especificamente das fontes de 1923 (publicadas em PE13 e PE14).

O Ilkorin e o Telerin aparecem aqui pela primeira vez e enquanto o Telerin é bem similar ao seu design mais tardio, o Ilkorin mais antigo é perceptivelmente germânico em estilo, e totalmente diferente do Ilkorin nas Etimologias. O Noldorin mais antigo difere do Noldorin tardio especialmente nas mutações de vogais, que seguem o galês mais de perto.

Eu deixei o Qenya mais antigo de fora porque já há discussões sobre a fonologia dele no Qenya Lexicon e no Early Qenya Grammar; e também porque eu sinto que é muito similar aos seus conceitos mais tardios, quando comparado com as outras línguas.

Comentários e correções são, como sempre, bem-vindas.

Link: http://sindanoorie.atspace.com/1923_phon.htm

Elfling: Línguas élficas com “sabores” diferentes

Tolkien criava línguas pelo puro prazer que a atividade lhe dava. Este prazer vinha, mais do que tudo, da necessidade estética que Tolkien sentia: a sua língua dos sonhos precisava ser bela, antes mesmo de possuir uma gramática elaborada. Isto torna as línguas élficas fundamentalmente diferentes do Esperanto e do Klingon.

Contudo, Tolkien não está sozinho em seu “vício secreto”, como fica evidente pela mensagem 33738 da lista Elfling escrita por Olga (nick “rikkuras_del_mas_alla”):

Olá!

Eu pensei sobre a idéia de criar novas línguas élficas com diferentes sabores¹, incluindo as não-européias. Eu sei que houveram algumas tentativas, mas elas são todas européias ou germânicas em sabor. Eu sugiro os seguintes estilos:

  • Francês ou outra românica
  • Grego (mais que o Quenya)
  • Eslavo ou báltico
  • Indo-ariano ou dravídico
  • Nativo americano (embora esta seja muito vaga)
  • Austronésio (pode ser malaio/indonésio, filipino ou polinésio)
  • Africano (bantu)
  • Japonês ou coreano
  • Chinês (embora eu ache que este seria muito difícil)
  • Gaélico
  • Húngaro
  • Altaico
  • Caucasiano (embora eu não sei…)
  • Sumério (embora este também eu não conheça muito)

São vários, não são?
Logo haverão mais!

Saudações,
Olga

Respostas

Na mensagem 33739, Matthew Dinse responde que já houveram tentativas de criar novas línguas a partir das raízes do proto-Eldarin e que algumas das sugestões já foram realizadas por Tolkien. Ele lista o Telerin como de “sabor” italiano e o Naffarin (língua da juventude de Tolkien) como influenciado pelo latim e espanhol, o que supre as necessidades do “sabor francês e românico”. Quanto ao indo-ariano, na mensagem 846 da lista Lambengolmor Bertrand Bellet discute as semelhanças entre o Adûnaico e o sânscrito. Quanto ao gaélico ele nota o desgosto de Tolkien pela língua (ele fala que ia “freqüentemente à Irlanda [Eire: Irlanda Meridional], sendo apreciador dela e [da maioria] de seu povo; mas a língua irlandesa considero totalmente sem atrativos.” [Cartas: 275]); contudo alguns argumentam que a língua da Terraparda é semelhante ao gaélico (ver mensagem 33074 de “shanearda” e uma divertida brincadeira lingüística resultante na mensagem 33397). Por último, o Valarin possui algumas pitadas da fonologia suméria, segundo Dinse.

“Melroch ‘Aestan confirmou a Olga em 33742 que, realmente, as pessoas já tentaram isso antes. Ele mesmo tentou criar uma língua élfica com “sabor” Avestano/Ariano, mas que (em sua opinião) felizmente o disco onde esta língua estava gravada quebrou, pois sua compreensão da fonologia dessas línguas “desenvolveu-se consideravelmente desde então”.

Contudo, Melroch (que é Phillip/Felipe em Sindarin, aliás) fez uma ressalva sobre o processo colaborativo na criação dessas línguas-modelo: em sua opinião tais tentativas levam a discussões sobre detalhes de design, e que é muito mais divertido deixar cada um criar seu próprio “dialeto” ou ramo.

Por fim, David Salo (criador dos diálogos para os filmes d’O Senhor dos Anéis e do controverso A Gateway to Sindarin) diz na mensagem 33751 que em seus arquivos há diversos rascunhos de línguas élficas “e-se”. Alguns rascunhos, ele diz, são bem estensos. Salo falou que encara a criação dessas línguas como um jogo que “tende a fixar a estrutura e fonologia do Eldarin e a língua-modelo de maneira forte na mente de uma pessoa”. Entre suas tentativas há o grego antigo, francês, iídiche e o pali.

Salo cita mais alguns exemplos de “sabores” que Tolkien experimentou: o dialeto Daniano e Leykviano são baseados no inglês antigo e nórdico antigo respectivamente.

Além dessas respostas, houveram mais duas mensagens por Olga, uma direcionada a Matthew Dinse e outra a direcionada a David Salo, mas ambas não contribuíram muito para a discussão até o momento.


¹ Tolkien disse várias vezes que cada língua tinha um sabor, e que o seu contato com o finlandês “[f]oi como descobrir uma adega completa repleta de garrafas de um vinho estupendo de um tipo e sabor jamais provados antes. Em muito me embriagou” (Cartas: 206). De fato, existe uma palavra em Quenya para este elemento estético: lamatyávë “gosto pelo som”, alcançado no final do amadurecimento dos Elfos.