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Qual povo fala qual língua?

Outra pergunta daquelas que são básicas (mas importantes!) para a compreensão das obras de Tolkien é: qual povo fala qual língua? Isto é extremamente complicado para qualquer pessoa que não tenha decidido estudar os povos élficos e os clãs de raças que tiveram influência élfica.

Abaixo está minha tentativa de explicar esta questão. Àqueles que já leram O Silmarillion estas ocasiões não serão novidade.

Anos das Árvores

  • 1050: Elfos despertam e inventam o Quendiano Primitivo;
  • 1105: Começa a Grande jornada e a primeira divisão entre os elfos: os Eldar começam a falar o Eldarin Comum, enquanto os Avari falam os dialetos Avarin;
  • 1105–1115: Em algum momento entre esses anos os Teleri formam um dialeto distinto, o Telerin Comum;
  • 1115: Uma parte dos Teleri se separam da Grande Jornada quando chegam ao rio Anduin e são chamados de Nandor, falando o Nandorin, ou “élfico silvestre”;
  • 1133: Os Vanyar e os Noldor chegam a Aman e começam a falar o Quendya;
  • 1151: Os Teleri liderados por Olwë chegam a Aman, e lá formam o Amanya Telerin (Telerin de Aman);
  • 1152: Elwë volta ao seu povo com Melian e a partir dalí são conhecidos como os Sindar. Em um primeiro estágio o Telerin Comum falado por eles torna-se o Sindarin antigo;
  • 1165: Os últimos Vanyar deixam Tirion, a cidade onde este povo e os Noldor moravam juntos. Os Vanyar continuam com o seu dialeto mais arcaico, o Quendya, enquanto os Noldor continuam a desenvolver seu gosto lingüístico até, eventualmente, chegar ao Quenya maduro;
  • Eventualmente durante os Anos das Árvores o Sindarin antigo amadureceu no Sindarin que conhecemos.

Primeira Era

  • Os Noldor foram forçados a abandonar o Quenya como língua falada na Terra-média, e passaram a falar o Sindarin.
  • Os filhos de Fëanor e seu povo possuíam um dialeto próprio, conhecido como Dialeto do Norte.
  • Em Doriath havia um dialeto daquela região.
  • Os filhos de Fingolfin e Finarfin, assim como o povo da região costeira (os falathrim) falavam o Dialeto do Sul.
  • Os anões falavam o Khuzdul entre si, mas falavam a língua de qualquer povo de sua vizinhança. Os anões que viviam em Nogrod e Belegost certamente falavam o Sindarin de forma fluente.
  • Os humanos da Casa de Bëor e da Casa de Hador (1ª e 3ª casas) falavam uma língua ancestral do Adûnaico. Contudo, começaram a falar o Sindarin quando entraram em contato com os Noldor.
  • Os humanos da Casa de Haleth (os haladin, a 2ª casa) falavam uma língua humana separada das outras casas, mas também aprenderam o Sindarin.
  • Os humanos que se aliaram a Morgoth provavelmente falavam suas línguas ancestrais e a Fala Negra, mas tiveram de aprender o Sindarin quando posaram de amigos dos filhos de Fëanor.

Segunda Era

  • Com a destruição do povo dos filhos de Fëanor e de Doriath, o único dialeto Sindarin que sobreviveu foi o Dialeto do Sul. Este tornou-se o Sindarin padrão, falado por todos os povos.
  • Os humanos em Númenor falavam o Sindarin e o Adûnaico de forma corrente, e o Quenya em ocasiões especiais ou em nomes;
  • Os humanos da Terra-média falavam seus idiomas: os Terrapardenses possuíam uma fala derivada da língua dos haladins, enquanto os humanos do norte (ascendentes dos rohirrim) falavam versões mais arcaicas das línguas de seus ancestrais da Casa de Hador;
  • Os elfos da Terra-média (da posterior Floresta das Trevas até a costa oeste) e de Tol-Eressëa falavam o Sindarin tranqüilamente.
  • Os que viviam ao leste da posterior Floresta das Trevas falavam seus dialetos Avarin.
Em um próximo artigo eu tratarei da Terceira Era.

“Os Anais de Aman” disponível na Valinor

A Valinor começou a publicar a tradução dos “Anais de Aman”, texto que integra o Vol. X da série History of Middle-earth (HoMe), Morgoth’s Ring.

A segunda parte pode ser lida aqui.

A terceira parte pode ser lida aqui.

Os Anais são uma cronologia detalhada dos acontecimentos do mundo de Tolkien, separados por ano. Lá é possível aprender quando os elfos despertaram, quando Fëanor nasceu, quando os Nandor deixaram a Grande Jornada e outros eventos relacionados até a Fuga dos Noldor de Aman. Sendo um documento tão importante para os estudantes de Tolkien e de seu legendarium, tenho de dizer que estou muito feliz e agradecido ao Deriel por ter feito esse esforço.

Isto cheira a coisa de Morgoth… Mais sobre o PE17

Uma informação bem interessante trazida pelo PE17, citada por Helge Fauskanger na E:34319: o nome original em Quenya de Sauron era Mairon “Admirável”.

Por outro lado, seu novo nome, “o Odioso”, pode vir mais do que apenas o seus atos malignos. Discutindo vphan (que gerou a palavra em Q. fána, o corpo angélico dos Ainur), Tolkien menciona que os Maiar, mesmo quando invisíveis, podiam ser reconhecidos através de sua fragrância; sem surpresas, aqueles Maiar corrompidos por Morgoth cheiravam mal. Parece que não havia chuveiros em Utumno… Fauskanger nota que a raiz de onde vem o nome “Sauron” é relacionada com palavras como “pútrido”.

A Construção de Barad-dûr

Meu amigo Douglas Donin encontrou uma pérola na rec.arts.books.tolkien, escrita por “O. Sharp” em 1996:

Eu estava lendo o Conto dos Anos esta noite, tentando decidir se era possível (como Mark Sulkowski sugeriu na discussão “Fantasy Metals”) que o metal do Um Anel tivesse vindo de Númenor quando encontrei um quebra-cabeças inesperado.

Continue lendo A Construção de Barad-dûr

Gestos Élficos

Enquanto escrevo este post estou, na verdade, sem internet, então é bom dizer que o horário é 01:37 de terça-feira (dia 31). A parte boa de estar sem internet é a prerrogativa para colocar a leitura em dia.

Enquanto lia o VT47 aqui, encontrei uma passagem muito interessante em meio a discussões dos 5 nomes diferentes que os elfos têm para suas mãos. Leitores mais assíduos de Tolkien se lembrarão um pouco do Leis e Costumes dos Eldar, e o Eldarin Hands, Fingers & Numerals é contemporâneo desse texto. Without further ado, em VT47:8-9 temos este gigantesco parágrafo (notas de Tolkien adicionadas entre colchetes):

O Eldarin Comum também possuía a palavra palata, um derivado da raiz Eldarin Comum PAL, estendida: palat, palan- “larga, estendida”… Cf. Q. palan, adv. “far and wide”; palda “largo, amplo” (< palna), paláta, Q. palta, T. plata, S. plad, significavam “a palma da mão, a mão mantida com a palma para cima ou para frente, plana e tensionada (com dedos e polegar fechados ou espalhados)”. Essa atitude tinha vários significados importantes como gestos nos costumes Eldarin (Q. Mátengwië, “línguagem das mãos”). Uma palma da mão para cima era um gesto de receptor, ou de alguém pedindo um presente; ambas as mãos postas dessa maneira indicavam que alguém estava ao serviço ou comando de outra pessoa. Uma mão mantida com a palma para frente [À altura do ombro ou mais alto. A altura adicionava ênfase.] em direção a outro era um gesto de proibição, exigindo silêncio ou a parada de qualquer ação; impedindo avanço, ordenando retirada ou partida; rejeição de um pedido. [Então uma mão nunca era levantada para cumprimentar ou dar boas-vindas. Em tal caso, a mão estaria levantada com a palma para trás, e para ênfase os dedos eram agitados na direção do sinalizador. Em um cumprimento casual ao cruzar com alguém, quando nenhuma verbalização era mais desejada, a mão era mantida com a lateral para frente, com ou sem movimento dos dedos.] O gesto do Dúnadan, Halbarad (SdA, p. 818) não era, portanto, uma sinalização élfica, e seria mal-recebida por estes. Em tal caso o gesto {élfico} seria abrir ambos os braços, um pouco abaixo do nível do ombro, com as palmas para fora: nesse caso, assim como no gesto humano, a palma aberta significa “sem arma”, mas o gesto élfico adicionava “em ambas as mãos”. [Necessariamente do seu ponto de vista, já que os Eldar não faziam distinção entre as mãos e suas operações: veja abaixo em Esquerda e Direita. O gesto de Halbarad foi com a mão direita.] A extensão dos dedos modificava o significado. O gesto de um recebedor ou pleiteador, se os dedos e polegar estavam abertos, indicavam aperto e urgência de necessidade ou pobreza. O gesto de proibição da mesma maneira era tornado mais hostil e ameaçador, indicando que se o comando não foi imediatamente obedecido, força ou armas poderiam ser usadas.

Interessante notar em S:5-6 que, a cada vez que Ilúvatar interrompe Melkor, ele o faz levantando a mão esquerda primeiro, a direita depois e, por último, levanta ambas as mãos. Sobre Esquerda e Direita (p. 9-10, notas de Tolkien entre colchetes, notas minhas entre chaves):

Nenhuma distinção era sentida entre a direita e a esquerda pelos Eldar. Não havia qualquer coisa estranha, ominosa (sinistra), fraca ou inferior sobre a “esquerda”. Nem algo mais correto e próprio (direito), de boa-aventurança ou honra sobre a “direita” {nota sobre o indo-europeu deks- omitida por motivos de brevidade}. Os Eldar eram “ambidestros”, e a alocação de diferentes serviços habituais ou funções à direita ou à esquerda era puramente uma questão individual e pessoal, não dirigida por qualquer hábito racial geral herdado. Um Elda poderia geralmente escrever com ambas as mãos; se ele escrevia com a esquerda ele começava no lado direito, se com a direita no lado esquerdo — porque os Eldar achavam mais conveniente que a mão que escrevia não cobrisse o que foi escrito imediatamente antes da letra que ele estava escrevendo no momento. [Mas a escrita era um caso especial. Para economia e claridade era desejável que cada letra deveria ter uma forma padrão. Fëanor inventou suas tengwar com formas mais convenientes para a mão direita, e essas eram consideradas as formas “corretas”; consequentemente as tengwar eram normalmente escritas da esquerda com a mão direita, especialmente em livros e documentos públicos. Se escritos com a esquerda (como muitas vezes em cartas ou registros privados) as tengwar eram revertidas, e eram corretas de frente a um espelho. Nas “runas”, de formas e arranjos mais tardios e elaborados, a reversão era significativa, e não havia diferença em conveniência para ambas as mãos. Elas eram escritas (ou gravadas) em qualquer direção, ou alternando.]

Ao fazer os gestos descritos acima qualquer uma das mãos era usada sem mudança no sentido. Fazê-los com ambas era mais enfático, indicando que o gesto expressa um comando de toda uma comunidade ou grupo, ou de um rei ou autoridade via um arauto ou subordinado. As imagens em pedra das Argonath mantinham uma mão para cima, com a palma para frente, mas era a mão direita (SdA, 411). Era um gesto humano: a mão esquerda era mais hostil; e seu uso permitia o uso na mão direita de uma arma: um machado.